domingo, 21 de junho de 2009

Tradição oral - Amadou Hampâté Bá


Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima
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Com esta frase, Amadou Hampâté Bá dá a dimensão da importância da transmissão oral. Ele foi um dos maiores pensadores da África do século XX, tendo recolhido inúmeras histórias e procurado incentivar e divulgar este conhecimento.
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Amadou (1900-1991) nasceu no atual Mali em uma família aristocrática do povo fula. Escritor, etnólogo, filósofo, historiador, poeta e contador, foi da primeira geração local que recebeu educação ocidental francesa. Procurou o reconhecimento da oralidade como fonte legítima de conhecimento histórico. Para isso, recolheu, transcreveu e explicou os tesouros da literatura oral do Oeste da África para o restante do mundo.
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Participando do Conselho Executivo da UNESCO desde 1962, chamou a atenção para a fragilidade desta cultura, proferindo então a famosa frase: “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”, considerando ancião como "aquele que conhece".
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Em seu livro de memórias Amkoullel, o menino fula, descreve seu cotidiano repleto de aprendizado através das histórias contadas e vividas, além de imerso nas crenças e tradições ancestrais que se misturaram aos preceitos islâmicos.
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Sobre o livro Amkoullel, o menino fula:
http://afrobrasileira.multiply.com/reviews/item/2
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Falar sobre Amadou e sua obra é falar novamente sobre tradição oral, sobre a importância da transmissão direta dos ensinamentos, sobre o aprendizado através da experiência. Estes fatores aparecem fortemente também na cultura árabe em geral.
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FORMA DE APRENDIZADO
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A importância da transmissão oral e do conhecimento pela experiência aparecem em diversas passagens do livro:
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- “A memória das pessoas da minha geração, sobretudo a dos povos de tradição oral, que não podiam apoiar-se na escrita é de uma fidelidade e de uma precisão prodigiosas. Desde a infância éramos treinados a observar, olhar e escutar com tanta atenção, que todo acontecimento se inscrevia em nossa memória como em cera virgem. Tudo lá estava nos menores detalhes: o cenário, as palavras, os personagens e até as roupas. (...) Para descrever uma cena, só preciso revivê-la. E se uma história me foi contada por alguém, minha memória não registrou somente
seu conteúdo, mas toda a cena – a atitude do narrador, sua roupa, seus gestos, sua mímica e os ruídos do ambiente.” (p. 13)
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- “Nós as aprendíamos de cor e, se fossem belas, já no dia seguinte espalhavam-se por toda a cidade. Este era um aspecto desta grande escola oral tradicional em que a educação popular era ministrada no dia-a-dia. (...) Para as crianças, estes serões eram verdadeiras escolas vivas, porque um mestre contador de histórias africano não se limitava a narrá-las, mas podia também ensinar sobre numerosos outros assuntos, em especial quando se tratava de tradicionalistas consagrados. (...) Tais homens eram capazes de abordar quase todos os campos do conhecimento da época, porque um ‘conhecedor’ nunca era um especialista no sentido moderno da palavra mas, precisamente, uma espécie de generalista. O conhecimento não era compartimentado. O mesmo ancião (no sentido africano da palavra, isto é, aquele que conhece, mesmo se nem todos os seus cabelos são brancos) podia ter conhecimentos profundos sobre religião ou história, como também ciências naturais ou humanas de todo tipo. (p. 174)
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Veja mais idéia deste pensador em uma entrevista no site Casa das Áfricas :
http://www.casadasafricas.org.br/site/index.php?id=banco_de_textos&sub=01&id_texto=22
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TRADIÇÃO ORAL
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Na nossa cultura entendemos que um povo sem escrita é um povo sem passado, sem uma história e uma cultura. Este pensamento é limitado e com ele arrisca-se a tomar como parte de uma cultura apenas aquilo do que encontramos “evidências”. Sendo que toma-se por “evidência” geralmente algo escrito, documentado. Logo, as culturas mais ligadas à escrita recebem os méritos de objetos e conhecimentos que nem sempre foram originários dela, ou exclusivos dela.
A este respeito o autor deixa clara sua opinião:
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A escrita é a fotografia do saber, mas não o saber em si.” (p. 175)
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A respeito da forma de memorização, o autor fala da importância de uma atenção total ao momento presente, para que se absorva tudo o que está sendo ensinado através das histórias:
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“Silencioso como cabia a toda criança no meio de adultos, eu não perdia uma migalha do que ouvia. Foi lá que, mesmo antes de saber escrever, aprendi a tudo armazenar na minha mente, já bastante exercitada pela técnica de memorização auditiva da escola corânica. Fosse qual fosse a extensão de um conto ou de um relato, eu o gravava em sua totalidade e no dia seguinte ou alguns dias depois, o repetia tal e qual a meus companheiros.” (p. 175)
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A importância da memória e da história oral aparece em diversos lugares do mundo. Em São Paulo, temos uma iniciativa que pode ser considerada um importante passo neste sentido: cursos sobre história oral que contam com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Mais informações podem ser obtidas através do Blog Contos Africanos e Árabes:
http://contosafricanosearabes.blogspot.com/2009/02/historia-oral-e-transformacao-social-os.html

sábado, 6 de junho de 2009

A masbaha



A masbaha

Uma imagem na postagem anterior (A tradição oral e a música árabe) gerou uma dúvida que procurarei esclarecer aqui.
Quando falei sobre uma técnica islâmica de memorização, o dhikr, utilizei a imagem de uma masbaha, um colar de contas que tem diversos usos, entre eles o auxílio para a concentração para a repetição das palavras da oração.
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Como se vê abaixo, junto à imagem da masbaha, estava escrito Dhikr. Então esclarecendo:
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Dhikr é a técnica de memorização através da repetição.
E a masbaha é uma das ferramentas utilizadas para o dhikr, mas não a única.
Logo, a imagem é da masbaha, a ferramenta; e a palavra escrita, dhikr, é a técnica.
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O assunto pode ter vários desdobramentos, interessantes e complexos. Levantarei alguns aqui, de forma simples:
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- muitas tradições utilizam contas para auxiliar na concentração e na contagem durante as orações, exercícios espirituais, meditações e pedidos de auxílio.
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Os nomes variam: masbaha para muçulmanos, rosário ou terço para os católicos, mala para os budistas, por exemplo.
O número de contas também varia: 33 ou 99 para cristãos e muçulmanos; 27, 54 ou 108 para budistas. Existe, dentro de cada tradição, variações conforme a finalidade do cordão de contas.
O material pode ser âmbar, madeira, pedras, osso, lã, plástico e outros.
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A elaboração deste colar de contas pode ser a própria meditação, já que sua confecção exige muito tempo, paciência e capricho. Nos mosteiros cristãos ortodoxos, por exemplo, os monges fazem os terços com um cordão trançado em elaborados nós. As masbahas de madeira também despendem muito trabalho. Fazê-los demora algumas horas e exige uma grande concentração.








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Abaixo está o link com um vídeo muito interessante de como se produz uma masbaha de madeira:
http://www.youtube.com/watch?v=Xb2TbUyIeB8
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- nem todos os muçulmanos aprovam o uso da masbaha para este fim.
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Para os muçulmanos, a masbaha é apenas um instrumento de contagem. Tanto faz usar as contas, um cordão com nós ou as falanges dos dedos da mão direita (método muito recomendado). Muitos evitam fazer o dhikr com a masbaha para que esta não se transforme num amuleto, de forma a confundir o objeto com o ato da devoção. Além disso, os muçulmanos não usam a masbaha em volta do pescoço porque acham que pode desvirtuar sua função, que não é de ornamento, nem de proteção.
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A masbaha é um instrumento que ajuda na repetição dos 99 nomes de Deus ou das palavras mais queridas para Deus, o tasbeh: “Subhana Allah, Alhamdu Lil-lah, La Ilaha Il-la Allah, Allah Akbar” (Quão perfeito é Allah, não há divindade real a não ser Allah, Louvado seja Allah, Allah é o Maior).
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O fato de carregar ostensivamente a masbaha pode ir contra os ensinamentos de modéstia e discrição, então alguns sheikhs dizem que é melhor não usá-la, mas não a proíbem. Outro fator é que algumas pessoas contam a masbaha enquanto seu olhar se distrai, o que não é apropriado para a concentração esperada para a repetição.
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- estes cordões são também vistos por vários povos orientais como acumuladores e transmissores de energias positivas, além de eliminadores da tensão nervosa.
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Por esta razão, é comum ver árabes usarem a masbaha apenas para descontrair, relaxar a tensão ou passar o tempo. Ficam num bolso, com suas contas à espera de serem manipuladas pelos dedos do dono. Neste caso, existem as prediletas, e também o material e a cor preferidos para casa ocasião, as mais sofisticadas e as para o dia-a-dia. Existem também a masbaha usada como enfeite na casa e no caso costuma ser feita com pedras grandes e fica exposta, bem à vista. Nunca é demais ter mais uma, sendo assim um bom presente. Um acessório muito útil, principalmente nestes tempos tão tensos...
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Masbaha: escolha a sua