quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O público e o privado na cultura árabe urbana

O público e o privado na cultura árabe urbana







(Este texto se relaciona com a pergunta da nossa última enquete, que foi: "Você acha que existe alguma relação entre a forma de se vestir e a arquitetura de um local?" )

O corpo é nossa primeira morada; por isso existe uma relação estreita entre a forma como lidamos com ele - incluindo nossas vestimentas - e a forma como construímos nossas casas: o que entendemos por conforto, segurança e privacidade?

Abrimos mão do corforto em nome da beleza? A segurança está acima do conforto? Deixamos de lado a privacidade, para nos adequarmos à última moda ou exibirmos nosso status?

Estes conceitos são culturais e se materializam, por exemplo, através das roupas e da arquitetura. Um passeio por algumas cidades árabes mostra que existe um limite claro entre o que é público e o que é privado; e isto está presente em vários aspectos do cotidiano.


Na parte antiga das cidades isto fica mais evidente: as ruas são estreitas, as casas lembram caixotes fechados, parece que não existe capricho. Pequenas portas marcam a entrada das casas.

Não se sabe o que existe ou acontece dentro delas.


Mas se houver a oportunidade de entrar numa casa, o que se vê é um presente para o olhos: claridade, beleza, frescor. Um pátio com uma fonte para se refrescar. Plantas em vasos ou em hortas e jardins. Uma surpresa!


















Muitas surpresas...



O pátio é o coração da casa, todos os cômodos se voltam para este espaço central. É onde a família se reúne e os amigos vêm para conversar. Todos os que são considerados íntimos podem frequentar este espaço, onde ficam à vontade e mesas são dispostas para as refeições do grupo. É aí também que acontecem os trabalhos domésticos, se encontra a água e o repouso ao ar livre.






Se você tem um pátio, você tem seu próprio pedaço de céu.







Os muros que vemos ao longo da rua protegem este espaço, onde a vida ao ar livre pode ser desfrutada em completa privacidade. É impossível, estando fora da casa, saber o que ocorre dentro dela. E se, por acaso, há alguma janela, ela é feita de forma que se enxergue de dentro para fora, e não de fora para dentro. São as muxarabias (mushrabiya), as famosas janelas presentes em várias cidades árabes – e até no Brasil colonial, em Diamantina, MG (abaixo, à direita).


Muxarabia vista de fora e de dentro











Originalmente feitas para resfriar a água no interior das casas, tornou-se um espaço privado onde se pode estar à vontade, se refrescar e, ao mesmo tempo, ver o que acontece no espaço público. Além disso, existem aquelas que são um trabalho de entalhe em madeira belíssimo.
E nas casas com menos recursos, uma muxarabia, mesmo simples, está presente.




Mas... e as roupas?













A partir desta diferença entre o público e o privado na arquitetura, é possível olhar a escolha das vestimentas de outra forma.
Acima vê-se um tipo de roupa utilizado pelos muçulmanos, tanto pelos homens como pelas mulheres: a idéia é não mostrar tanto o corpo nos ambientes públicos.

Pensando no que foi dito, a pergunta que fica, ao fazer um paralelo com a arquitetura, é:
"Que surpresa nos aguarda?"
Este tipo de roupa deixa espaço para o exercício da imaginação, o de tentar ver, através dos movimentos, dos gestos, do vento que bate, algo desse corpo que é concebido como íntimo, que não deve ser exposto em um ambiente público. E que será mostrado para os que forem considerados íntimos, num ambiente privado.

Numa festa familiar, serão usadas roupas elegantes; numa ocasião informal, aparecerão as bermudas e saias; e as roupas insinuantes serão escolhidas para os momentos de intimidade. Ou seja, exatamente como americanos e europeus escolhem suas roupas, com a diferença de que, no ambiente público, se coloca algo por cima de tudo. No uso destas túnicas vê-se que a ideía não é se enfeitar para o público em geral, mas para aqueles que você considera mais próximos.

Tanto as fachadas das casas como as roupas discretas guardam para a intimidade "um pedaço do céu".

10 comentários:

  1. Hey Marcia!!!Estou adorando seu blog, com tanta informação, cultura árabe , danças folclóricas e o acesso à conteúdos por você pesquisados, é de uma riqueza infinda!! A idéia da arquitetura e roupas me fascina!!!Como a "fachada" lida com o externo, e o Centro mantém o interno, tanto das casas , como das pessoas..e essas janelas e fontes. E o diálogo riquíssimo, através da Dança, que fazemos moovimentando nosso Corpo, integrando-o a Mente, Alma e Espírito!Tenho uma enorme Gratidão por estar próxima a você!Aprendo Muito!!Beijos. CrisTina Taleb

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  2. Oi querida, me lembrei das Carmens, que são casas desse tipo na Andalucia. Verdadeiras joias. Muito bom ler vc. Beijão

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  3. Este tipo de casa é tão delicioso que migrou para muitos lugares e povos que tiveram contato com os árabes. Mesmo que a influência tenha sido temperada - por exemplo, pelos portugueses, como no caso do Brasil. Das formas mais simples às mais suntuosas, o que importa é ter seu "pedaço de céu".

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  4. Gostei de saber sobre as casas e a maneira de vestir. Dou razão, devemos mostrar o melhor que temos mas em casa, nada como descobrir o que vai por baixo.
    Parabéns
    Sara

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  5. Adorei o blog tenho muita curiosidade sobre a cultura árabe gosto da culinaria, danças, maquiagens, etc e admiro a destreza para ocomercio.
    Sou Dimantinense e o muxarabies são fortes nas casas antigas sem dizer que é muito charmoso!

    Parísina

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  6. ADOREI O SITE. PRECISEI DE INFORMAÇOES PARA UM TRABALHO NA ESCOLA. ME AJUDOU IMENSAMENTE, FICO MUITO AGRADECIDA POR TER GENTE DISPOSTA COMO VC A DEDICAR SEU TEMPO PARA MOSTRAR AOS OUTROS A CULTURA E OS COSTUMES DE SEU POVO. OBRIGADO.

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  7. Muito legal o texto Márcia! Parece que os árabes têm bem clara a diferença entre o espaço público e o privado em seu cotidiano.:)

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  8. É verdade, Rosana! Bem diferente da cultura ocidental em geral, que mistura tudo. E nem estou falando dos Big Brothers, mas do cotidiano mesmo, dessa necessidade de falar tudo, expor tudo, não deixar nada para um momento de intimidade, não valorizar um pouco de mistério...

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  9. Transpondo isso para a dança do ventre Márcia, percebo que a sutileza dos movimentos perde espaço para uma dança na qual não só o corpo,mas os sentimentos e pensamentos precisam ser expostos de uma forma um tanto quanto agressiva.Tudo é muito performático.

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  10. Rosana, eu concordo que a dança está performática demais, mas não sinto que os pensamentos e sentimentos de quem dança esteja lá, mas sim uma representação de pensamentos e sentimentos, e de maneira exagerada, caricatural.
    Acho que na dança, cabeça, coração e corpo devem andar juntos e entregues à música.
    Mas o que tenho visto, com algumas honrosas exceções, é um simples show de variedades com passos da moda, além de caras e bocas da moda. Uma pena!

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