quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Palestra com Marcia Dib

O evento é gratuito e aberto ao público em geral.
Estão todos convidados!!!!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Lançamento livro Música Árabe: expressividade e sutileza

Destinado tanto a leigos como a músicos e pesquisadores. São claramente descritas as principais características melódicas e rítmicas da música árabe: o sistema modal, a formação das escalas, a afinação, os paralelos entre o ritmo e a palavra, e a relação com o tempo e o silêncio.
Estão abordados também temas como a concepção circular do tempo, o aprendizado baseado na oralidade, a importância da memória e da palavra, e a atuação dos sons sobre os seres humanos.
Trazendo uma valiosa contribuição para este que é um tema ainda inédito no mercado editorial brasileiro, Música Árabe: expressividade e sutileza é uma iniciativa importante e bem vinda.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Tarab - o arrebatamento artístico

DEFINIÇÃO

Tarab é um termo difícil de traduzir, pois implica vários conceitos:

- Linguisticamente, refere-se a um estado de elevação emocional, frequentemente traduzido por arrebatamento, êxtase ou encantamento, mas que pode indicar tristeza ao mesmo tempo que alegria.

- Descreve um estilo de música e apresentação musical nos quais estes estados são evocados e despertados.

- Constitui um termo geral na estética árabe que descreve um tipo de êxtase estético em relação a algum objeto artístico relacionado ao ato de ouvir, podendo ser uma música ou um poema.

Tarab pode então ser entendido como uma experiência, algo que acontece no momento da apresentação musical entre o público e o artista. Para isso acontecer, são necessárias algumas condições em relação à performance do artista, à relação com o público, às músicas escolhidas e ao espaço onde ocorre.

Etnomusicologistas descrevem o Tarab como um estado emocional provocado na plateia como resultado da dinâmica interação entre o artista, a música, a letra, o público e alguns outros fatores.


O QUE É NECESSÁRIO PARA ACONTECER O TARAB

- Performance do artista:
O ingrediente mais importante para que o artista evoque o Tarab é a Sinceridade Emocional (sidq). Implica um sentimento genuíno, uma carência de artifício, e ocorre quando o humor do modo domina as emoções do artista e também há uma rendição deste ao verdadeiro significado da letra da música, traduzindo estes elementos através de seus próprios sentimentos.
A sinceridade está intimamente ligada ao artista imbuído de Espírito Oriental (ruh), ou seja, que tem a capacidade de entrar na música, mergulhando no estado correspondente a cada modo.
Um artista precisa de tempo para se aquecer antes de entrar em um estado de harmonia interna, de estar aberto ao sistema modal e só então ter a habilidade de evocar o Tarab em outras pessoas. Não é a representação da letra da música, nem uma mímica calculada, uma interpretação forçada, artificial.
Na verdade, antes de um músico ser sincero com o público, ele tem que ser sincero com ele mesmo. Se a atmosfera criada é artificial ou superficial, o público percebe e acaba por se distanciar do artista. Mas quando o público percebe a entrega e a sinceridade do artista, é criada uma ligação, que pode trazer à tona o estado interno associado com as experiências do Tarab.

- Relação entre artista e público:
Todos os estudiosos enfatizam a importância da conexão entre artistas e público, a familiaridade do público com a música árabe e a qualidade da atmosfera criada, como condições para a experiência do Tarab.
Quando esta conexão existe, os ouvintes tendem a considerar uma apresentação um sucesso e o artista autêntico, o que geralmente significa que ele ou ela é dotado com Sinceridade Emocional e Espírito Oriental. Em outras palavras, a conexão entre os artistas e o público se torna o maior foco do julgamento estético.
Mas é preciso tomar cuidado com os estereótipos em relação à expressividade dos sentimentos. O Tarab é um sentimento autêntico, é algo que ocorre internamente.
Quando a conexão entre artista e público é autêntica e acontece o arrebatamento, é comum haver as aclamações, movimentos dos braços, dança, suspiros, gritos e palavras de encorajamento por parte do público e o artista costuma responder a isso com movimentos similares. Estes movimentos estabelecem uma estrutura aonde os ouvintes e os artistas expressam e entendem suas experiências. Só que, quando estas manifestações são artificiais o que ocorre é a ilusão do Tarab, uma representação.

- Boa escolha musical:
A maneira como os sons acontecem na música modal, como é a árabe, pode produzir estados emocionais de alegria e êxtase, mesmo que a pessoa não conheça tecnicamente a música. Logo, o artista tem a responsabilidade de escolher músicas que contenham as características mais importantes da música modal: o estabelecimento de um território sonoro ligado a um humor, a homofonia, a valorização da palavra, os detalhes improvisados.
Assim, o encadeamento sábio dos modos rítmicos e melódicos, o controle do tempo e do silêncio do taqsim, a arte da modulação, a pronúncia correta das palavras, o sentimento autêntico, tudo isso contribui para que seja estabelecida uma atmosfera propícia ao Tarab.
Mas focar apenas na música significa perder a dimensão do significado da apresentação e introdução do processo no qual artista e ouvinte experimentam e se comunicam emocionalmente durante uma apresentação.

- Local do espetáculo:
Em um espaço menor, mais íntimo, o contato visual e a interação pessoal direta entre o artista e o público propiciam o aparecimento do Tarab. Estes ingredientes de intimidade são facilmente perdidos em grandes eventos, com de uma cantora egípcia, considerada por muitos a maior de todos os tempos: Umm Kolthom.
Com o aumento da dimensão dos espaços de espetáculos e a tranformação da experiência musical em grandes eventos, a ligação enter o público e o artista não permite um envolvimento baseado na empatia, na intimidade e na força do artista.

SUGESTÕES DE AUTORES PARA LEITURA - Ali Jihad Racy e Jonathan H. Shannon

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Espetáculo de músicas e danças árabes

Neste domingo, no Clube Sírio - Avenida Indianópolis, 1192
Aberto ao público em geral. Entrada Franca.
Venha e traga os amigos!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Será que as bailarinas são odaliscas?

Harem dancer, Hans Zatzka
 
            Vocês já devem ter ouvido alguém se referir às bailarinas como odaliscas. No Carnaval, são vendidas “fantasias de odalisca”, que são iguais às usadas na dança do ventre; em shows, as pessoas apresentam: “E agora, nossas lindas odaliscas!!!”. Não é verdade?

Não sei porque nem quando esse costume começou, mas sei que as odaliscas, originalmente, não tinham nada a ver com ser dançarina...!

Afinal, quem eram as odaliscas?

O termo vem do turco UADAHLIK, que significa criada de quarto.

Criada de quarto? Como assim?

Para entender isso, vamos recuar um pouco para o tempo e o lugar onde esse termo originou-se e era empregado, ou seja, nos palácios dos governantes do Império Turco-Otomano.

            O palácio era a sede do Governo e também a moradia do governante e sua família.  A vida social e política da classe mais elevada acontecia dentro dos espaços privados; a reclusão – tanto dos homens quanto das mulheres - significava privilégio para as classes abastadas. Para que tudo funcionasse bem dentro dos palácios ou seja, a vida familiar, política, social e cultural, era necessário haver muita organização e um grande aparato administrativo.

            Uma das estruturas do palácio era a do harém, que nada mais é do que o espaço reservado à vida íntima, familiar, seja num palácio ou numa casa comum. É o local de convivência da família e dos parentes próximos, além de parte da criadagem. Outras pessoas não podem entrar.
 
A palavra harém é derivada de h-m-r, raiz árabe que significa sagrado ou proibido, pode também designar o espaço privado das mulheres. É uma idéia muito antiga e vários povos tiveram ou ainda têm um tipo de harém, que é um lugar de convivência e trabalho doméstico também.

Um fato interessante é que a questão do poder dentro da estrutura dos palácios poucas vezes é abordada no que se refere às mulheres. Mas são elas que dão os descendentes ao trono, logo os aspectos sucessórios são de suma importância para elas. Existe uma hierarquia clara dentro dos haréns dos palácios e as mulheres não estavam preocupadas apenas em ficar reclinadas descansando, como é visto em diversas pinturas dos orientalistas. Tinham suas ocupações também, não ficavam ociosas à beira de uma banheira. Pensavam em seus filhos (ou em tê-los) e em como conseguir prestígio para si e para ele dentro do palácio.

A hierarquia dentro do harém seguia o seguinte padrão: odaliscas (as virgens, que não foram tocadas pelo sultão), concubina (companhia noturna), ikbals (favoritas) e kadins/haseki (similar a esposa).

Pois é, as odaliscas estavam no patamar mais baixo da hierarquia do palácio!

As odaliscas eram mulheres escravas compradas em mercados ou adquiridas em guerras, vendidas por sua própria família ou ainda raptadas. A partir daí, eram levadas para o palácio para serem criadas. Eram treinadas nas mais diversas funções pois, como chegavam muito jovens, não se sabia o quanto teriam de capacidade ou beleza. O treinamento incluia modos, etiqueta, leitura do alcorão, tecer, bordar, dança, poesia, música. Sim, incluía dança, como parte do aprendizado, mas não eram as “dançarinas do palácio”. Este treinamento era supervisionado pela sultana valide, autoridade máxima feminina no palácio.

Algumas podiam ser nomeadas como servidoras do “oda” (quarto) do sultão, ou encarregadas de suas roupas ou de seu banho. Nada glamuroso, enfim. Era muito difícil para a odalisca ser notada pelo sultão, ou mesmo ser escolhida para ser apresentada a ele, em meio a tantas outras mulheres bonitas e talentosas.Mas, caso isso acontecesse, poderia tornar-se sua concubina. Com isso podeira subir os degraus da hierarquia e desenvolver sua carreira (sim, carreira!) dentro do harém. Ser concubina lhe daria a chance de ter um filho com o sultão, o que a favoreceria dentro da estrutura do harém. Assim ela poderia, através da astúcia e do jogo de poder, ter alguns privilégios para si e para o filho.

            Vê-se que é uma questão de sobrevivência, um jogo onde tudo é calculado, e muito distante daquelas histórias cheias de imaginação que tentam nos vender, da “preferida do sultão” e coisas assim.

            Então, as odaliscas eram as escravas do palácio, treinadas para diversas funções. E, apesar de dançarem um pouco, não eram as “dançarinas do palácio”, mas sim criadas.

Mas então, qual é o motivo de chamarem as bailarinas de dança do ventre de odaliscas?

            Não sei...!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A mulher árabe

Entrevista originalmente concedida à Revista Shimmie (2012)

Começando a conversar:

Marcia Dib: Acho difícil falar “da” mulher árabe, assim como seria difícil falar “da” mulher brasileira. O mundo árabe (aqui considerado como o conjunto de países que falam o árabe) é extremamente vasto, e abarca diversos países com culturas diferentes entre si. Embora a mídia sempre aponte o mundo árabe como um bloco homogêneo, a realidade é bem diferente, existe uma diversidade enorme e aí é que está a riqueza de estudar a cultura árabe.
           As características de um pessoa, mulher ou homem, ou de um grupo, provêm de muitos fatores; é preciso ver onde ela nasceu e como a sociedade se estrutura neste local; a que grupo – social, econômico, étnico e religioso – pertence; como essa sociedade em geral ou seu grupo em particular, lida com os mais diversos assuntos; se ela tem acesso aos estudos; se ela tem acesso às informações da sociedade, seja através de conversas com outras pessoas, livros, internet, radio, televisão, cinema e outros; a quais regras está exposta, seja na sociedade ou na família; qual o grau de liberdade de ação que ela possui, etc.
          Além disso, existem as questões subjetivas, que pertencem a cada pessoa, tais como a história familiar, com suas alegrias e tristezas, os traumas e tabus de cada um, o grau de ousadia ou submissão; que são questões que muitas vezes ficam acima das pressões sociais. Você pode morar num local de muita liberdade e mesmo assim ser submissa; ou estar inserida em um grupo social que prega a introversão e ser extrovertida, por exemplo.
         É claro que existem pontos em comum dentro da cultura árabe, e falarei aos poucos deles conforme nossa conversa avançar.
 

Revista Shimmie: Por que temos a imagem de uma mulher árabe submissa?

Márcia Dib: Acredito que essa imagem tenha mais a ver com machismo do que com qualquer religião ou grupo específico.
            Um fato é que, em alguns grupos religiosos, existe o ensinamento de que o homem está um pequeno degrau acima da mulher, no sentido de ter o papel de provedor e protetor da família, além de condutor da família nas questões religiosas.  Onde isso acontece, há um equilíbrio de forças; o homem conduz uma parte da estrutura familiar e a mulher, outra.
           Infelizmente, há grupos ou pessoas com idéias machistas, que interpretam esta questão como autorização para humilhar e submeter a mulher.
          É preciso, então, separar o que é uma regra religiosa do que é uma interpretação social, cultural ou pessoal. Essa confusão não é privilégio dos árabes; o machismo justificado por outras questões acontece em vários outros lugares.
         Por outro lado, o que é visto como submissão por nós pode ser, na verdade, uma característica mal interpretada da energia feminina. O feminino acontece dentro, nas entrelinhas, na subjetividade. O fato de você não falar alto nem sempre quer dizer que você não tem voz. Existem muitas maneiras de se comunicar, de se fazer presente, de dar sua opinião. Nem tudo o que existe é o que está à vista mas, como estamos numa sociedade onde tudo tem que estar às claras, onde se fala de tudo, é difícil, para nós, entender que algumas coisas funcionam de maneira mais sutil, mais habilidosa.
        Às vezes o fato de uma pessoa não se posicionar pode ser submissão, outras vezes pode ser uma escolha estratégica consciente. É importante não generalizar.

 
RS: Por que a mulher árabe tem que usar véu?

Márcia: Originalmente, as muçulmanas – e não todas as árabes - deveriam usar o véu por modéstia (não mostrar sua beleza em público) e por recato (o cabelo é visto como algo muito sensual e atraente). Essa decisão deveria ser delas perante Deus, ninguém deveria obrigá-las a isso. Mas o que acontece, em muitos casos, é que a sociedade pressiona muito e os motivos acabam sendo muito mais externos – “todas usam, você também tem que usar”. O importante seria ter uma atitude de recato quando se está em público e não apenas a vestimenta ser recatada.
             O véu é usado de diversas maneiras e, muitas vezes, o modo de amarrar, o quanto do rosto está exposto, o tecido ou as cores, denotam de onde a mulher é, de qual religião e classe social, se mora em área urbana ou rural, se é beduína etc. É também uma maneira de identificação, de pertencimento social.
            Acho interessante o fato de quase nunca se mencionar que os homens muçulmanos também deveriam usar (e vários usam) roupas largas, que não mostrem o corpo, e também cobrir a cabeça, pelas mesmas razões...!
           Mas isso não atrai a mídia, que só tem interesse em tomar a parte pelo todo, reduzindo uma cultura complexa a alguns elementos “exóticos”. Por isso, acho muito importante a oportunidade que a Shimmie abriu de esclarecer alguns fatos, isso é fundamental hoje em dia.

 
RS: Quais as diferenças entre as mulheres árabes de diferentes religiões?

Márcia: A religião é elemento importante nos países árabes e ela faz parte ativa da vida da maioria das pessoas, está intimamente ligada á identidade delas, seja por seguirem seus preceitos ou pelo convívio social. Todos aprendem desde cedo a ter relações sociais e comerciais com pessoas de outras religiões, mas existem limites para esta convivência. Ainda é um incômodo haver um casamento entre pessoas de religiões diferentes, principalmente por causa da criação dos filhos.
            Em termos de cotidiano, a maioria das religiões prega atitudes semelhantes, como amar a Deus e ao próximo, fazer o bem, respeitar os pais e os mais velhos, fazer caridade, jejuar etc. Mas cada uma vai estruturar estas ações com justificativas próprias, formando um corpo de ensinamentos bastante consistente e integrado, e é difícil descrever essas diferenças com precisão.  
           Acho importante também diferenciar o que é cultural ou social do que é um ensinamento ou orientação religiosa, seja qual for a religião. Nem sempre fica claro o porquê de uma atitude ou costume, pois algumas coisas tendem a ficar misturadas, principalmente para quem olha de fora. Às vezes o local onde a pessoa mora – cidade grande ou pequena, área urbano ou rural, etc. - influencia tanto quanto a religião, porque algumas regras sociais mudam de uma situação para outra. Outro fator é o grau de devoção da pessoa e o quanto ela segue as regras da religião, o que pode mudar bastante seu comportamento.
            É comum atribuírem vários problemas da cultura árabe à religião, quando toda religião, em sua essência, é perfeita; a deturpação vem depois, com as interpretações dos seres humanos, naturalmente imperfeitos.


RS: Por que os homens podem ter diversas mulheres?

Márcia: Entre os cristãos, o casamento é um sacramento e a monogamia é uma de suas condições. Já entre os muçulmanos, o casamento não é um sacramento, é um ato civil para construção de uma família, e não é visto pela ótica do romantismo (aliás, casar por amor é algo recente na história da humanidade, em qualquer lugar do mundo). O casamento no Islá é visto pela ótica da praticidade, do que funciona e tem tudo para dar certo. Mas é necessário que tanto a noiva como o noivo concordem com as condições, colocadas em um contrato que ambos assinam.
            Como no Islã a função de protetor e provedor é principalmente masculina, existem muitos fatores envolvendo a decisão de ter mais de uma esposa: no caso das guerras, é para a proteção de alguma mulher ou para acolher famílias desamparadas (muitas vezes os filhos também vêm junto, não apenas as mulheres). Outro caso acontece quando a mulher não pode ter filhos, por infertilidade ou por já estar em idade avançada, e o homem pode se casar com outra.
            É importante saber que, idealmente, o homem deve ser igualmente justo com todas as esposas, tanto ao repartir seu tempo e atenção, como financeiramente. Exatamente por ser algo complexo e envolver muitas obrigações, a poligamia acontece com muito menos frequência do que se imagina.

 
RS: Existe um perfil atual da mulher árabe? A mulher árabe moderna?

Márcia: De um modo geral, atualmente a mulher árabe tem mais acesso à informação, mais direitos como cidadã e maior liberdade de escolha. Mas este quadro não é geral; muitas ainda estão lutando por isso.
             Como as mulheres do mundo todo, elas têm estudado por mais tempo, frequentado universidades e feito pós-graduações. Em vários países ela escolhe sua carreira e seu trabalho, e pode também alcançar postos de comando. Podem também escolher melhor os passos que darão na vida, como o casamento, ter filhos etc. São mudanças positivas e bem-vindas.
            Por outro lado, existe entre elas uma sensação de inadequação, pois elas acham que deveriam ser como as ocidentais e, se não são, acham que estão “atrasadas”, até por influência da mídia. Mas a sociedade não se desenvolve como uma corrida; cada cultura funciona como um conjunto, nem sempre funciona se apropriar de um aspecto de outra cultura e tentar inseri-lo na nossa de maneira isolada.
             Eu entendo que as mulheres árabes estão buscando o que é ser uma “mulher moderna” e, assim como nós, elas tentam conciliar a vida pessoal com a profissional.

 
RS:Como é a questão do filho homem e da filha mulher na cultura árabe?

Márcia: Existem alguns fatores que levam a pensar que os árabes “preferem” os filhos homens mas, novamente, é preciso olhar o contexto da dinâmica familiar.
             Ao se casarem, era costume (e em alguns lugares, ainda é) as filhas mulheres irem morar na casa da família do noivo. Com isso, seus pais “perdiam a filha”. Já as noivas dos filhos homens vinham morar com a família dele, então seus pais “ganhavam uma filha” (a nora). Talvez essa seja uma das razões para a comemoração do nascimento do filho homem, já que ele sempre vai estar por perto. Por isso, é comum ver as noivas chorando no dia do casamento, já que às vezes o noivo mora longe e elas dificilmente vão se encontrar com as pessoas da sua família com a frequência que gostariam.
             Outro motivo é que o filho homem carrega o sobrenome da família, enquanto a mulher muda seu nome para o da família do noivo (exatamente como ainda acontece aqui). Como a perpetuação do nome da família é algo importante, este seria outro motivo para a predileção por filhos homens.
            Estas questões não aparecem em todos os lugares, nem em todas as famílias. No entanto, em termos de afeto, todos os filhos são muito bem-vindos! A família é fundamental para o equilíbrio emocional e muito valorizada entre os árabes.

 
RS: Qual a relação da dança do ventre com a mulher árabe? Quando elas dançam? Onde? Por que?

RS: Na maioria dos países de cultura árabe existe um limite claro entre o público e o privado. O fato de algo não aparecer em público não quer dizer que não exista. Isso vale para quase tudo: as roupas, as atividades, as atitudes, etc.
             A dança acontece nas festas familiares ou da comunidade, quando as mulheres dançam entre si ou com um parceiro. Neste caso, se dança a raqsa, que utiliza vários movimentos parecidos com a da dança do ventre, os mais simples. São movimentos que todas conhecem e praticam. O objetivo desta dança é se divertir e aproximar as pessoas.
            Nos momentos de intimidade com o marido, se gostar de dançar, a mulher costuma praticar a dança, mas de maneira mais sedutora, podendo ousar mais e fazer movimentos mais insinuantes, já que estão sozinhos e o objetivo é o da sedução. Até pouco tempo atrás, dançar fazia parte dos dotes para ser uma boa esposa, por ser uma atividade muito prazerosa, que pode aproximar o casal.
           Estas são as ocasiões mais comuns de acontecer a dança do ventre ou, na verdade, a raqsa. Mais raramente, ela é praticada pelas árabes de maneira mais elaborada e profissional, já com os passos de dança do ventre, nos palcos ou em restaurantes.

 
RS: É verdade que, no Oriente Médio, dançarinas são vistas como prostitutas? Se não, porque os hotéis contratam bailarinas estrangeiras e não locais?

Márcia: Essa característica de não misturar o que é público com o que é privado leva as pessoas a não ver com bons olhos quem se expõe dançando publicamente. Dançar é uma atividade que eles entendem como algo para ser feito entre pessoas conhecidas, quando tudo é divertido, uma brincadeira. Mesmo nos momentos em que você se insinua mais, isso não é visto de forma negativa. É completamente diferente você dançar se inclinando para perto do seu tio ou de um homem desconhecido. Ou fazer um shimmie sedutoramente enquanto dança com suas primas e estar no centro das atenções no meio de estranhos.
            Por esta razão, muitas pessoas acham que quem leva para o ambiente público algo que deveria ser feito em ambiente privado, é liberal demais. Outros acham que ela quer se prostituir, o que quase nunca é verdade. Pode ser que, antigamente, somente as prostitutas dançassem ou que as artistas, em geral, fossem vistas como prostitutas (o que foi bastante comum em muitos lugares do mundo). Para não ter problemas, eles contratam para dançar pessoas de fora, já que a maioria das mulheres locais não quer ou não pode se expôr tanto.

           
RS: Como o homem árabe vê a mulher que dança?

Márcia: É importante lembrar que muitas mulheres árabes sabem dançar muito bem, mesmo que não dancem em público. Logo os homens árabes sabem o que é uma boa dança, já viram uma prima, tia, irmã ou a esposa dançarem. E também conhecem boas profissionais. Então, quando uma bailarina se apresenta profissionalmente, ele vai apreciá-la se dançar muito bem. Caso contrário, olhará um pouco e perderá o interesse.
             Já no ambiente privado, é uma questão de gosto. A maioria dos homens gosta de ver a parceira dançar, apreciam quando ela compra novas roupas e adereços. Mas não são todos os que gostam de dança nestes momentos. Alguns preferem outras brincadeiras íntimas, outros jogos, ou massagens, cremes, perfumes. É uma questão de afinação do casal.