(Texto baseado em minha dissertação de Mestrado em Cultura Árabe - em desenvolvimento)
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O som é invisível e impalpável, por mais nítido que seja. Na maioria das outras artes - seja na pintura, arquitetura, escultura, etc. - os materiais são visíveis. É possível ver o processo de construção ou elaboração, os trabalhadores, os materiais. São objetos que permanecem por muito tempo.
Mesmo após a adoção da notação musical, a sua execução é invisível. Quando a música acaba, nenhum sinal é deixado, não se pode vê-la de novo, como um quadro, ou reabri-la, como um livro. As gravações são tentativas de conservar o som, mas oferecem experiências diferentes da audição ao vivo de uma peça musical. É como as fotos de um edifício: dão uma idéia da construção, o que é diferente de passar pela experiência de estar nela.
Sem dúvida os árabes produzem material visual belíssimo, mas em geral sua referência sensorial é mais auditiva. Para o árabe em geral a imagem pode ser ilusão, mas o som é concreto. Por esse motivo, o contexto cultural árabe é muito baseado na oralidade.
Apesar de a imagem nos trazer informações mais precisas e detalhadas, somos mais sensibilizados pelo que ouvimos do que pelo vemos. A audição fornece informações que vão muito além do campo visual, complementando-o.
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Mesmo conhecendo e utilizando a escrita para o comércio e governo, os árabes não faziam uso dela nem para a elaboração e armazenamento das poesias ou das músicas, nem para divulgação ou publicação destas. O principal veículo era a memória; eram passadas de geração em geração.
A importância da memória está presente em toda a arte árabe e se baseia no conceito de que o homem tende a esquecer, principalmente as coisas importantes, como sua posição no mundo espiritual.
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Cada cultura desenvolveu, portanto, sua forma de contrabalançar esta característica humana. A oralidade era comum também na Europa e Ásia. Entre os árabes se desenvolveu a pedagogia do dhikr – a “pedagogia do lembrar” -, baseada na repetição, no decorar, nas festas, nos rituais.
Uma das formas de lembrar ao homem elementos fundamentais da existência é, portanto, a repetição. Novamente aparece a importância da circularidade na cultura oriental.
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Durante muito tempo, o aprendizado foi longo e baseado na oralidade. Não existiam grandes conservatórios ou partituras impressas. O aprendizado se dava em ambientes particulares, em pequenos grupos, onde era possível captar os ensinamentos e sutilezas do mestre. O estudo sempre foi sutil e cuidadoso, pois as músicas podiam mudar o estado emocional e físico, tanto do ouvinte como do próprio músico.
Considerando a complexidade da música árabe, é compreensível que muitos ocidentais tenham desistido de entendê-la e estudá-la, classificando-a como “superstição”. A música no Oriente Médio sempre teve um poder moral e espiritual, muitas vezes incompreendido e visto com preconceito. Por isso, o conhecimento era transmitido com cuidado e os músicos muito valorizados.
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NOTAÇÃO MUSICAL
A música árabe teve seu desenvolvimento apoiado na transmissão oral, mas existiram algumas formas de registrar as músicas ou o aprendizado, que mudaram ao longo do tempo. Entre os árabes era feito com o propósito didático, não com a finalidade de execução. Era um sistema impreciso já que o conhecimento em si, a forma de execução, eram transmitidos oralmente, no contato com o mestre.
A notação atual é extremamente precisa, mas é preciso lembrar que a partitura não diz tudo a respeito da música.
Como foi dito em postagem anterior, o sistema árabe comporta várias notas de difícil notação, notas intermediárias, chamadas quartos de tom. Estas notas devem ser executadas de forma diferente, inclusive com outra afinação, dependendo da escala utilizada, da sua posição na seqüência de notas, das notas que estão à sua volta. Todos esses detalhes são impossíveis de serem escritos, mas o músico experiente sabe que eles estão lá, subentendidos na partitura.
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EXECUÇÃO
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Quando a música tem propósitos terapêuticos ou de mudança de humor, o intérprete deverá estar sintonizado com todos os elementos análogos àquela escala. Mas, de um modo geral, o músico está habituado com a execução de todos estes detalhes e sutilezas, típicos do mundo modal, ao qual pertence a música árabe.
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