quarta-feira, 29 de abril de 2009

A tradição oral e a música árabe

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A TRADIÇÃO ORAL E A MÚSICA ÁRABE


(Texto baseado em minha dissertação de Mestrado em Cultura Árabe - em desenvolvimento)
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A música, com seu caráter vibratório, faz o elo entre o mundo material e o mundo invisível e espiritual.
O som é invisível e impalpável, por mais nítido que seja. Na maioria das outras artes - seja na pintura, arquitetura, escultura, etc. - os materiais são visíveis. É possível ver o processo de construção ou elaboração, os trabalhadores, os materiais. São objetos que permanecem por muito tempo.
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Mesmo após a adoção da notação musical, a sua execução é invisível. Quando a música acaba, nenhum sinal é deixado, não se pode vê-la de novo, como um quadro, ou reabri-la, como um livro. As gravações são tentativas de conservar o som, mas oferecem experiências diferentes da audição ao vivo de uma peça musical. É como as fotos de um edifício: dão uma idéia da construção, o que é diferente de passar pela experiência de estar nela.
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A ORALIDADE E A IMPORTÂNCIA DA MEMÓRIA
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Sem dúvida os árabes produzem material visual belíssimo, mas em geral sua referência sensorial é mais auditiva. Para o árabe em geral a imagem pode ser ilusão, mas o som é concreto. Por esse motivo, o contexto cultural árabe é muito baseado na oralidade.
Apesar de a imagem nos trazer informações mais precisas e detalhadas, somos mais sensibilizados pelo que ouvimos do que pelo vemos. A audição fornece informações que vão muito além do campo visual, complementando-o.
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Mesmo conhecendo e utilizando a escrita para o comércio e governo, os árabes não faziam uso dela nem para a elaboração e armazenamento das poesias ou das músicas, nem para divulgação ou publicação destas. O principal veículo era a memória; eram passadas de geração em geração.
A importância da memória está presente em toda a arte árabe e se baseia no conceito de que o homem tende a esquecer, principalmente as coisas importantes, como sua posição no mundo espiritual.
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Cada cultura desenvolveu, portanto, sua forma de contrabalançar esta característica humana. A oralidade era comum também na Europa e Ásia. Entre os árabes se desenvolveu a pedagogia do dhikr – a “pedagogia do lembrar” -, baseada na repetição, no decorar, nas festas, nos rituais.
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SABER “DE COR” = SABER COM O CORAÇÃO





Uma das formas de lembrar ao homem elementos fundamentais da existência é, portanto, a repetição. Novamente aparece a importância da circularidade na cultura oriental.
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Dentro desse conceito, é possível entender porque a escrita não era usada, optando-se pelo exercício da memória. Além disso, a tradição passada de geração em geração aproxima as mesmas, criando uma cadeia de conhecimento e memória.


O APRENDIZADO DA MÚSICA
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Durante muito tempo, o aprendizado foi longo e baseado na oralidade. Não existiam grandes conservatórios ou partituras impressas. O aprendizado se dava em ambientes particulares, em pequenos grupos, onde era possível captar os ensinamentos e sutilezas do mestre. O estudo sempre foi sutil e cuidadoso, pois as músicas podiam mudar o estado emocional e físico, tanto do ouvinte como do próprio músico.
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Considerando a complexidade da música árabe, é compreensível que muitos ocidentais tenham desistido de entendê-la e estudá-la, classificando-a como “superstição”. A música no Oriente Médio sempre teve um poder moral e espiritual, muitas vezes incompreendido e visto com preconceito. Por isso, o conhecimento era transmitido com cuidado e os músicos muito valorizados.
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NOTAÇÃO MUSICAL
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A música árabe teve seu desenvolvimento apoiado na transmissão oral, mas existiram algumas formas de registrar as músicas ou o aprendizado, que mudaram ao longo do tempo. Entre os árabes era feito com o propósito didático, não com a finalidade de execução. Era um sistema impreciso já que o conhecimento em si, a forma de execução, eram transmitidos oralmente, no contato com o mestre.
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A notação atual é extremamente precisa, mas é preciso lembrar que a partitura não diz tudo a respeito da música.
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Como foi dito em postagem anterior, o sistema árabe comporta várias notas de difícil notação, notas intermediárias, chamadas quartos de tom. Estas notas devem ser executadas de forma diferente, inclusive com outra afinação, dependendo da escala utilizada, da sua posição na seqüência de notas, das notas que estão à sua volta. Todos esses detalhes são impossíveis de serem escritos, mas o músico experiente sabe que eles estão lá, subentendidos na partitura.
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EXECUÇÃO
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Estas características tornam a execução da música árabe mais complexa edifícil, pois depende de o instrumentista conhecer os diversos códigos “embutidos” na partitura. Qualquer alteração feita por seu gosto próprio - a supressão de uma nota, a adição de um intervalo - pode gerar a mudança de escala: isto é bastante usado pelos árabes e exige maestria do músico.
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Quando a música tem propósitos terapêuticos ou de mudança de humor, o intérprete deverá estar sintonizado com todos os elementos análogos àquela escala. Mas, de um modo geral, o músico está habituado com a execução de todos estes detalhes e sutilezas, típicos do mundo modal, ao qual pertence a música árabe.
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Talvez por tudo isso a música árabe soe tão rica, principalmente quando a ouvimos “ao vivo”, sentindo o envolvimento dos músicos com o som, e as vibrações das notas provocando estados diferenciados dentro de nós.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Homenagem a Shokry Mohamed

SHOKRY MOHAMED



Uma pequena homenagem a esse querido professor, coreógrafo, diretor artístico, muito inspirado e inspirador!



Algumas perguntas relativas ao livro “La danza magica del vientre”, de Shokry Mohamed, me inundaram de saudades de seu autor e decidi fazer uma singela homenagem, trazendo algumas informações sobre a vida e a produção artística deste grande dançarino e professor egípcio, infelizmente já falecido.


SITUANDO...

Shokry nasceu no Cairo, em 1951, e aos 12 anos já participava de um grupo de danças folclóricas em seu país. Participou de vários outros grupos e acabou por se estabelecer na Espanha, a partir de 1974. Em Madri funda em 1987 o Grupo Hispano Árabe de Danza e em 1990 funda a primeira escola de danças árabes da Espanha, o estúdio “Las Pirâmides”. A partir daí, começa a divulgar as danças árabes, principalmente as danças populares egípcias, formando bailarinos em diversos países.
Dedicou-se ao estudo da história e características da dança do ventre, tendo publicado alguns livros a esse respeito, onde podemos ver a admiração e o respeito que ele tinha por essa arte e pelas mulheres que a praticavam.
Sua produção artística é significativa, pois além dos grupos de dança, dirigiu também o grupo "Gitanos del Nilo", de música.

Além disso, publicou livros relacionados ao tema da dança, todos pela Ediciones Mandala:
- “La danza magica del vientre”, em 1995
- “La mujer y la danza oriental”, em 1998
- “La bailarina del tiemplo”, em 1999
- “El reinado de las bailarinas”, em 2005

Produziu também a primeira revista de dança oriental em língua espanhola, chamada “Danza Oriental”, a partir de 2003. Esta revista possui artigos escritos por pessoas de diversos países e pode ser adquirida através do site. Na edição de setembro de 2006, número 18, os amigos e colegas escrevem, despedindo-se do mestre.

Para conhecer mais sobre sua escola, visite o endereço:
http://www.estudiopiramides.com/

Bom, a produção artística e intelectual foi grande, mas não foi maior que sua dedicação à divulgação e ensino da dança, cujo sucesso pode ser visto através de seu legado. Sua escola continua fazendo seu trabalho, com as gerações se sucedendo: esse é o sonho de qualquer educador!

Vejam as fotos de alguns trabalhos de seu grupo, retiradas do site da sua escola:
















Lindas danças...




E O PRINCIPAL: A PESSOA

Tive o prazer de conhecê-lo nas vezes em que veio ao Brasil, trazido por Fadua Chuffi, grande bailarina e professora. Participei como bailarina no espetáculo “Jandin de la Danza”, idealizado por ele na Espanha e trazido por ela para o Brasil em 1999. Ensaiamos vários meses, 6 bailarinas e 8 músicos, as coreografias criadas por ele. Eram vários tipos de dança que se entrelaçavam, num painel muito bonito da diversidade das danças árabes. O fato de termos a presença dos músicos durante os ensaios foi bastante enriquecedor para todos.
Quando o espetáculo estava levantado, Shokry veio ao Brasil para finalizar os ensaios. Sua chegada, como sempre, iluminou tudo! As danças ganharam mais vida, as interpretações enriqueceram a parte técnica, já conhecida pelos nossos corpos.

Shokry, com sua precisão ao pedir e demonstrar um gesto ou uma intenção, nos trouxe o caráter de cada dança, o recheio imprescindível para o movimento.
Sua dificuldade em se expressar verbalmente, devido à doença, só fez notar o quanto todo o seu corpo era um transmissor de idéias.
Mesmo quando dava aulas em grupos grandes, sem a intenção de fazer um espetáculo, era muito generoso em relação ao seu conhecimento. Seu corpo era conhecimento e sensibilidade, e um gesto seu dizia tudo!

Até hoje lembro perfeitamente de seus olhos sorridentes... aquele brilho que existe quando a pessoa faz o que gosta ou o que sabe ou, melhor ainda, quando a pessoa gosta do que sabe e entende do que gosta, e muito!


Nunca vou esquecer do prazer de dançar que conheci neste mestre. E também do prazer em partilhar o conhecimento. Obrigada, Shokry, onde você estiver! E que sua dança continue girando entre nós!